Agenda dos direitos LGBT nas eleições 2014: uma evolução

Ativista Julian Rodrigues mostra como um cenário cinza tornou-se histórico para a cidadania arco-íris

Publicado em 02/10/2014
Eleições 2014 entram para a história como as primeiras em que cidadania LGBT esteve no centro do debate 

Por Julian Rodrigues

Os primeiros sinais eram péssimos. A campanha para as eleições 2014 começou com encontros entre os principais candidatos e lideranças evangélicas conservadoras. 

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Fato novo: evangélicos resolveram lançar a presidente um pastor, candidato orgânico do fundamentalismo cristão, Everaldo, do PSC. A ideia deles era acumular votos no primeiro turno e impor sua agenda, com mais força, no segundo.

Eis que Marina Silva (PSB) entra em cena e se torna competitiva de imediato. Começam os debates sobre o caráter de sua candidatura. Quem é mesmo, o que pretende, qual seu programa, quem representa? Setores da juventude e do movimento LGBT aderem à sua candidatura.

Evangélicos também ficam alvoroçados. Uma irmã – missionária da Assembleia de Deus - com condições reais de ser presidenta. Começa a adesão e a pressão sobre a candidatura Marina.

Enquanto isso, Dilma Rousseff (PT) ficou na retaguarda “no que se refere” à pauta LGBT. Já Aécio Neves (PSDB) lança um bom programa LGBT, mas não coloca com destaque a questão.

Em 29 de agosto, é feito o lançamento do programa de Marina. A candidata divulgou texto elaborado pelo núcleo LGBT do PSB e militantes da Rede incorporando o conjunto das reivindicações do movimento LGBT: casamento igualitário, criminalização da homofobia, lei de identidade de gênero, políticas públicas efetivas. Tudo isso precedido de um texto com uma justificativa teórica avançada, em sintonia com as formulações da vanguarda do movimento LGBT.

Espanto, incredulidade, alegria!

Menos de 24 horas depois, a errata envergonhada. O site oficial republica o programa LGBT.  "Foi erro de edição! Sorry!" O verdadeiro programa de Marina não acolhe o casamento igualitário (só união civil) e muito menos a criminalização da homofobia. O que teria acontecido? 

Simples: um dos ícones da homofobia militante e do fundamentalismo evangélico, pastor Silas Malafaia, fez quatro tuítes ameaçando Marina e exigindo a mudança do programa. A reação foi imediata. Marina começou a perder uma certa aura de mito, se transformando em candidata real, alvo de críticas como qualquer outra. As redes sociais se dividiram entre sentimentos de decepção, indignação e escárnio.

Foi aí que Dilma e o PT enxergaram a oportunidade de reatar seu compromisso histórico e se reaproximar da agenda e da militância LGBT. Na saída do debate da TV Bandeirantes, em 1º de setembro, Dilma se contrapôs à Marina e, publicamente, pela primeira vez, defendeu  a criminalização da homofobia.

Marina ficou na defensiva – da qual não saiu mais no primeiro turno -  e se enrolou alguns dias, tentando explicar que é contra discriminação, mas não apóia a criminalização da homofobia. Que apóia a "união civil" (que não existe no Brasil), mas não endossa o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Marina perde, então, apoio da vanguarda LGBT e dos simpatizantes da causa nas redes sociais. Começa a ser alvo de ataques fortes. Dilma começa a reverter seu desgaste nessa área.

A campanha Dilma (entre pressões internas, externas e avaliação pragmática do cenário eleitoral) decide avançar. A candidata, várias vezes, diz que é a favor da criminalização da homofobia, embora ainda escorregue em temas como políticas públicas de promoção da diversidade sexual na educação. E sempre usou o termo correto, “orientação sexual”.

Até que, em 12 de setembro, na sabatina do jornal O Globo, Dilma avança e afirma: "O Supremo aprovou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e reconheceu os direitos das relações estáveis. O que eu acho é que o Estado não tem condições de impor o casamento religioso. Mas o Estado, como é laico, tem dever de reconhecer todos os direitos do casamento entre um homem e mulher tem para as pessoas do mesmo sexo. Essa é uma questão solucionada. A discussão central é a questão a respeito da homofobia. É absolutamente necessário, assim como foi necessário criminalizar a violência contra o negro e a mulher."

Dilma também citou como questão resolvida o direito à adoção por casais homossexuais. Pegou muito bem! E Dilma decidiu levar o tema para seu pronunciamento de abertura na Assembleia Geral da ONU, em 24 de setembro. Ela citou o combate à homofobia como compromisso do governo e falou da decisão do STF. 

Suas palavras: "O racismo, mais que um crime inafiançável, é uma mancha que não hesitamos em combater, punir e erradicar. O mesmo empenho que temos em combater a violência contra as mulheres e os negros, os afrobrasileiros, temos também contra a homofobia. A Suprema Corte do meu país reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, assegurando-lhes todos os direitos civis, daí decorrentes."

Enquanto isso, Luciana Genro, do PSOL, partido minoritário de esquerda compromissado com a cidadania LGBT, foi aumentando o espaço dedicado a esse tema em seus discursos. Provavelmente perceberam retorno positivo nas redes sociais e a boa recepção do tema em determinados segmentos dos grandes centros, dentre jovens universitários, por exemplo.

E o pastor que agregaria o fundamentalismo no primeiro turno acabou murchando. Everaldo (cujo eleitorado e bases de apoio dentre evangélicos foram engolidos por Marina) não empolgou ninguém com seu discurso ultra-liberal e em defesa "da família". Mal chega a 1%. Os evangélicos – da base à cúpula – abraçaram a candidata missionária do PSB.

Até que no debate da Record, em 29 de setembro, o nanico e caricato Levy Fidelix (conhecida língua de aluguel, sempre candidato do PRTB) fez a fala mais reacionária, tosca e homofóbica de todos tempos em campanhas eleitorais.

A reação da mídia, da militância social, de diversas entidades, como a OAB, e dos candidatos foi grande. Cassação de sua candidatura é solicitada ao TSE. Atos são marcados. Há uma indignação cidadã no ar.

Conclusão provisória: se a campanha começou com um cenário potencialmente negativo para a cidadania LGBT, está chegando ao final do primeiro turno tendo o combate à homofobia como tema central, em uma perspectiva positiva, de avanço.

Não houve, até o momento, o debate obscurantista da campanha de 2010 em temas tais como o aborto. Pelo contrário, Luciana Genro e Eduardo Jorge, do PV, apresentaram o problema  na linha da legalização, defendendo  a saúde pública e os direitos das mulheres.

O jogo não acabou. Um segundo turno pode mudar esse cenário. Mas é preciso registrar que a candidatura Dilma fez um giro não só a favor da cidadania LGBT, mas sinalizou um distanciamento dos evangélicos fundamentalistas - até por uma questão prática, já que as lideranças desse segmento se perfilaram, na sua maioria, ao lado de Marina.

Em 29 de setembro, Dilma se reuniu com lideranças LGBT e voltou a afirmar seu compromisso com a criminalização da homofobia. Para ela, trata-se de um debate civilizatório.

Ou seja: se reeleita, Dilma irá trabalhar pela aprovação de uma lei que torne crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Compromisso e programa de campanha, reiterado várias vezes. A pauta está posta!

E o ambiente político e social será, a julgar pelo cenário até aqui, bem mais favorável, com apoio de amplos setores sociais, inclusive da mídia.

Até aqui, a história da luta LGBT escreveu certo por linhas tortas.

*Julian Rodrigues é ativista de Direitos Humanos e LGBT e membro Conselho Consultivo da ABGLT.


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