Por Welton Trindade
O carnaval, como apontam a antropologia e a sociologia e nossos avós, é a festa da inversão. Homem se veste de mulher, o branco e o negro exibem ornamentos indígenas, viramos super heróis, o pobre da comunidade brilha como destaque com fantasias caras e pedraria.
Entretanto, não é tolerável que no reinado de momo (e de Ivete Sangalo e Daniela Mercury) se brinque com o respeito.
A discriminação em si já é lamentável, mas dá para piorar: quando um segmento social passa a reproduzir palavras e reforçar ideologias preconceituosas que são usadas contra ele próprio!
Ridículo, não? Pois foi isso que parte de nós LGBT não só permitimos... Por favor, indigne-se: mas também parte de nós tivemos autoria no carnaval deste ano, dias atrás.
Foi desolador ver LGBT no coro de "Bolsonaro, vai tom* no c*". Eram para ser indignação e revolta justas. Foi apenas idiotia com o pior de verve sem lustre positivo algum.
Pensemos: o tomar no c* é forma de ofender alguém dentro de um conjunto de valores sociais no qual ser passivo no sexo anal é ofensivo, diminuidor, degradante, vergonhoso.
Esqueça a inversão pueril do carnaval. Aqui a proposta é ofender sem relativismos!
Só é digno de respeito quem cumpre o então ideal único do que é ser macho: o ativo, o dominador, o que empunha seu pênis e penetra.
Concorda ser importante bradar o "não é não", certo? Então, seja coerente! O tomar no c* também é machista, pois reforça a ideia de passividade no sexo como algo humilhante.
E sabe a ideia abjeta de que só é gay e motivo de vergonha quem é passivo? Sabe a escola de gay ativo superior e passivo inferior? Então, que isso não seja novidade para quem esgoelou aquela frase, mas ela também é expressão desse ponto de vista (ponto de opressão).
Veja como mandar comer um c* não é humilhante! O tom é de diversão. E só!
Não dá para no meio de fevereiro tomar as redes sociais para pedir a criminização da homofobia com punição com cadeia para quem xinga LGBT e semanas depois achar que mandar alguém tomar no c* tem algo de revolucionário.
Bom, de argumentos, o suficente foi dito. O espaço aqui não cabe desenhos, pardon!
Não aceitemos ninguém mandar outra pessoa tomar no c* como algo ofensivo nem, pior, sejamos nós quem vocaliza esse conjunto de palavras pretensamente frívolo. Não o é!
Reproduzi-lo faz de nós só pessoas lacradoras como fantasia barata no bloquinho da vida. Debaixo dela, no caso, só seríamos mais um ser hipócrita e pernicioso. Cópia de quem você quer tanto atacar!
Tomemos... Tomemos muito, sempre. Todas e todos. Mas aí vergonha na cara! (Tomar no c*, só quem gosta e merece coisa boa).