Conheça: 10 perguntas e respostas sobre a Lei João W. Nery

Proposta legislativa é de autoria dos deputados federais Jean Wyllys (Psol-RJ) e Erika Kokay (PT-DF)

Publicado em 20/06/2016
10 perguntas e respostas sobre a Lei de Identidade de Gênero - João W. Nery, sobre transgêneros
Precursor, João W. Nery é um dos mais importantes ativistas da causa trans no País

O direito ao nome social e ao processo transexualizador de travestis e transexuais é hoje uma das maiores demandas da comunidade LGBT. Porém, este tema enfrenta críticas de parte da sociedade - uma parcela que é discriminatória por definição, e outra, por pura desinformação.

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Para ajudar a esclarecer sobre o assunto, fizemos 10 perguntas ao advogado Felipe Oliva, servidor público e membro do Gupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (Gadvs), a respeito do projeto de lei 5002/2013.

Conhecido como Lei João W. Nery - Lei da Identidade de Gênero, o projeto, que dispõe sobre o reconhecimento de pessoas transgêneros, é de autoria dos deputados federais Jean Wyllys (Psol-RJ) e Erika Kokay (PT-DF).

A proposta está parada na Câmara dos Deputados, sem previsão alguma de avançar. A pressão tem crescido. Marchas arco-íris tais como as de São Paulo, Salvador e BH colocaram o projeto como seu tema. Agora é caminhar com mais conhecimento do que determina o PL. 

1. Quem é João W. Nery?
Considerado o primeiro homem trans brasileiro operado, João W. Nery nasceu em 1950 e enfrentou questões de transexualidade, quando essa palavra sequer existia. Formou-se em Psicologia, especializou-se em Sexologia e se submeteu a cirurgias ainda nos anos 1970, quando médicos poderiam ser incriminados por operarem transexuais. Lançou a autobiografia Viagem Solitária (2011) e é hoje um dos mais importantes ativistas da causa trangênero no País. O nome dado à proposta é justamente uma homenagem a esse histórico.

2. Pela proposta, é preciso a pessoa ter se submetido à cirurgia de redesignação de sexo para pleitear a mudança de nome nos registros civis?
Não! Um dos grandes avanços da lei é especialmente esse: a falta de necessidade de qualquer intervenção cirúrgica para que a identidade de gênero da pessoa seja reconhecida. Afinal, a gente não pede para ver o genital do interlocutor para tratá-lo como ele ou ela - por que exigiríamos isso de pessoas transexuais e travestis?

3. Muitos atacam o projeto dizendo que crianças poderão "mudar de sexo". Isso é fato?
Sim, crianças e adolescentes terão direito tanto aos procedimentos médicos como à correção de seus documentos. Para isso, será necessário o consentimento da criança e dos pais ou responsáveis. As críticas certamente vêm de quem não conhece a realidade das pessoas travestis e transexuais, que frequentemente percebem sua identidade de gênero já muito cedo, com poucos anos de idade. Adiar intervenções no corpo e nos documentos até os 18 anos pode lhes infligir muito sofrimento, o que deve ser obviamente evitado.

4. Quais as maiores diferenças entre o projeto de lei e a portaria recém-assinada pela presidente afastada Dilma Rousseff (PT)?
O decreto da presidente Dilma Roussef é muito mais limitado que o PL João W. Nery: apenas impõe que a administração pública federal (INSS, Receita Federal, universidades federais etc.) respeite a identidade de gênero das pessoas travestis e transexuais. Já o PL João W. Nery pretende obrigar todos - administração pública e particulares - a reconhecer a identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, além de lhes garantir o amplo direito a cuidados médicos.

5. Fica nos documentos da pessoa o nome de nascimento ou alguma citação de que se trata de um/a transgênero?
Sim, mas apenas no assento do registro de nascimento, que é o livro onde se anotou originalmente o primeiro nome e sexo atribuídos à pessoa. Todos os demais documentos - certidão de nascimento, RG, título de eleitor etc. - não deverão fazer qualquer menção à lei ou ao nome e sexo registrado antes. O acesso ao assento também fica condicionado à autorização da pessoa com dados corrigidos.

6. Ao divulgar a mudança, o cartório terá de divulgar o nome antigo?
Não! O PL João W. Nery exige sigilo na comunicação da correção dos dados registrais às autoridades relevantes (justiça eleitoral, judiciário etc.), dispensando expressamente a publicação da alteração, como é comum. Obviamente, a intenção é interferir o mínimo possível com a privacidade da pessoa, de forma que ela tenha o máximo de controle sobre ponto tão sensível de sua própria história.

7. É verdade que a lei prevê mudança até na certidão de nascimento? Que outros documentos oficiais de identificação são mudados?
Sim! A pessoa poderá corrigir seu prenome ("João", em vez de "Maria", por exemplo) e o campo "sexo" no assento do nascimento, devendo todos os outros documentos acompanhar a alteração: RG, CPF, título de eleitor, carteira de motorista, carteira de trabalho etc.

8. Ao mudar de nome, a pessoa deixa de responder a dívidas ou processos jurídicos com o nome anterior?
Não, de jeito nenhum! O PL João W Nery prevê claramente que a pessoa continuará a titularizar seus direitos e obrigações, havendo total continuidade de suas relações com outras pessoas e com o Estado. Se a pessoa tem uma dívida, continuará devendo. Se tem um dinheiro a receber, também vai continuar tendo o crédito.

9. Que determinações o projeto tem a respeito de cirurgias transexualizadoras?
Hoje, uma portaria do Ministério da Saúde já confere o direito de pessoas transexuais e travestis às cirurgias (21 anos) e hormonioterapia (18 anos). Uma portaria, contudo, pode ser modificada facilmente por quem ocupa o governo. Com a lei, esse direito ganha mais força, porque só poderá ser retirado com uma outra lei, que exige o processo complicado do Poder Legislativo. Além disso, o PL João Nery reduz as idades para ter direito aos tratamentos, o que segue o desejo do movimento de pessoas travestis e transexuais.

10. No caso de pessoas casadas, a união fica anulada com a mudança do nome nos registros civis?
Não! Desde o julgamento do STF em 2011, o Brasil reconhece o casamento igualitário (entre pessoas do mesmo sexo), não havendo qualquer problema na correção dos dados registrais da pessoa casada. Além disso, como foi falado, a correção não altera as relações já existentes da pessoa - inclusive de casamento e filiação. De qualquer forma, para evitar dúvidas, o PL João Nery prevê expressamente que nada se altera no campo do direito de família: quem é cônjuge continua cônjuge, quem é genitor, permanece genitor, quem é filha/o, segue filho/a.


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