Por Marcio Claesen
Elas são show de cores e vivacidade. Seus figurinos e suas tiradas espertas mexem com a alma mais carrancuda e sem brilho. E hoje é para elas. Hoje é o Dia Internacional da Drag Queen!
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Por décadas, elas foram chamadas de transformistas (e muitas ainda assim se definem). As que arrasam no humor adoram o termo caricatas. As da geração mais recente empunham o termo drag queen - nome que chegou ao Brasil no início dos anos 1990, se popularizou e serve como expressão "guarda-chuva" para todas as formas desta arte.
O 16 de julho tornou-se dia delas, desde 2009, por obra de Adam Stewart, gay, que fez essa definição para a efeméride: "O Dia Internacional da Drag Queen é um dia em que, em todo o mundo, em todas as cenas gays, aproveitamos a oportunidade para comemorar e agradecer aos artistas drag que tanto acrescentam à vida e à cultura gays."
E como acrescentam! Essa arte que perpassa já quase um século desde os primeiros bares gays alemães e norte-americanos dos anos 1920 e 1930 sobreviveu a guerras, ditaduras, aids, censuras e sociedades homofóbicas pelo mundo.
Para celebrar a data, conversamos com 12 artistas de diferentes Estados brasileiros com uma questão: o que é ser drag queen para você?
As respostas mostram que elas são feitas tanto de maquiagem e perucas quanto de força e dedicação!
Angelinna Hill (Goiânia/GO)
Fora da cena, acadêmica de psicologia e atuação na área de saúde; já no mundo artístico, Angelina nasceu há seis anos. É uma drag versátil, mas com uma queda por musicais da Broadway, em números que o artista pode mostrar seu talento como bailarino, ator e cantor.
"Ser drag queen vai além de apenas 'se montar'! Tem a ver com externalizar a melhor e mais linda obra de arte que você idealizar, e essa persona te ajuda na sua construção pessoal.
Além disso, nós, drags, temos um peso enorme quando o assunto é representatividade. Usamos nossa arte como ferramenta para que alguma mensagem chegue ao público. Não somos apenas entretenimento. Somos arte, resistência, quebra de padrões e construção de outros, e manifestação política, social e cultural. Ser drag queen não se trata apenas de se transformar, mas sim de transformar o próximo também!"
Brigitte Beaulieu (Curitiba/PR)
Assim como a Ópera de Arame é um dos símbolos de Curitiba, Brigitte Beaulieu é a representação mais genuína da arte drag na capital parananese.
São 27 anos de história de montação! Seus cabelos vermelhos já hipnotizaram muita gente nos eventos que apresenta numa "caricatura de uma perua chique", como lembra a artista, que também é designer de moda e maquiadora.
"Drag é muito mais do que alegrar. É a desconstrução do padrão, da sociedade patriarcal. Só o fato de se caracterizar é uma militância. Minha personagem, não tem tempo ruim com ela! Mais do que o cachê em dinheiro, o é também recompensador o outro cachê: o de saber que foi feito da forma certa.
Ser drag é atravessar a fronteira do conformismo. E fazemos o bem, trabalhamos em projetos beneficentes. É fazer a lição de casa e ter o cuidado de saber o que o contratante quer.
É enfrentar barreiras e regras pré-estabelecidas pelo machismo. Encarar um público dos nove aos noventa anos. E lentamente fazer todo esse preconceito desmoronar."
Charlene Voluntaire (Porto Alegre/RS)
Nada menos que 26 anos é o tempo de atuação de Charlene na cena gay. A nova geração de LGBT, portanto, nem era nascida, mas Charlene já fazia do palco seu reino.
"Drag queen, com o passar dos anos, se tornou uma profissão. Nos anos 1990, foi a forma que o Charles descobriu de mostrar nos palcos a sua 'arte da transformação'.
A Charlene invadiu festas particulares e corporativas, bem como o imaginário das pessoas, sempre de uma forma alegre e irreverente.
A 'arte drag' me proporciona transformar preconceitos em conceitos bem positivos, a nível de visibilidade e de conscientização do bem viver. Ser drag queen se tornou algo muito além da caracterização de um personagem... é arte!"
(foto: Shan Melo)
Elza de Brasil (Cuiabá/MT)
O humor dá o tom da personagem criada há 12 anos que faz sucesso como apresentadora, hostess e promotora de eventos na capital matogrossense.
"Pra mim ser drag é atitude. É uma escolha. Uma escolha de carregar cores, brilho, cílios, salto alto. É ter uma identidade e a minha identidade está na drag queen, no brilho, no glamour, na elegância, na classe, no show.
Sou uma palhaça. Uma palhaça de luxo, uma palhaça de cores. Ser drag é alegria, é vida, é o que eu sou e é o que eu quero ser. É a minha identidade.
E além de tudo, é poder levar minha arte para quem quiser ver, levar minha alegria para quem quiser assistir, levar meu grito de liberdade, levar minha história. E a minha autoafirmação. É atitude, é identidade, é vida. É minha inspiração e é minha respiração."
Karina Karão (Rio de Janeiro/RJ)
Natural do Recife, Karina já fazia drag em espetáculos teatrais na sua cidade natal, e há 12 anos se consagrou ao se mudar para o Rio.
Sobre seu estilo, a artista afirma que sempre lembra que não é preciso ficar feia para fazer humor. Sua personagem pode ser tanto uma "drag maravilhosa" quanto uma "drag engraçada".
"Ser drag pra mim é levar irreverência, humor ao cotidiano. É a arte, a cultura, a inteligência, é a inovação, é a militância, é lutar pelos nossos objetivos, nossos direitos. E o mais importante: vencer o preconceito.
Ao mesmo tempo em que a gente vem sempre buscando o melhor, com estes políticos que estão no poder ultimamente, a gente acaba retrocedendo, parece que volta no tempo. E isso é o que me deixa mais triste.
A gente já venceu em algumas coisas. Ver drags como Pabllo Vittar, Gloria Groove, Aretuza Lovi fazendo sucesso cantando, aparecendo no Faustão, ganhando prêmio de melhor cantor, isso já é uma vitória. A gente tem sempre que querer mais. Ser drag é tudo isso."
Paty Maionese (Maceió/AL)
São 18 anos em cima dos palcos e comandando eventos - seja corporativos ou festas - na vida desta drag icônica de Alagoas. "Eu sou a Tchaka de Maceió", diz, fazendo referência à reconhecida "rainha das festas" de São Paulo.
O estilo? Ela se define como top caricata - junção da top drag, que trabalha com o glamour e o bate-cabelo, e caricata, que faz humor.
Desmontada, ela é decoradora, produtora e trabalha na Secretaria Municipal de Saúde de Maceió.
"Ser drag queen pra mim é sinônimo de poder. Poder me transformar em um personagem feminino e, ao fazer isso, usar esse poder, essa força para levar alegria, glamour para as festas. E com muita responsabilidade."
Penélope Fontana (Belo Horizonte/MG)
Com a trajetória de 12 anos na arte drag, Penélope se define como camaleoa. Do bate-cabelo ao andrógino, do glamour ao caricato, a artista perpassa diversos estilos para chegar a diferentes tipos de público.
Uma das apresentadoras da Parada LGBT de BH, a drag também é atriz e assessora do vereador Pedro Patrus (PT) na Câmara Municipal de BH.
"Ser drag pra mim já passou por várias vertentes. No início, a gente trabalha mais essa questão do ego, do elogio, de se sentir bem estando montada. Sou de uma geração em que as pessoas sempre nos receberam muito bem nas casas, e o respeito era muito grande com a classe artística.
Ao longo desses anos, foi mudando. Hoje eu enxergo que o espaço drag é de acolhimento para diversos preconceitos que a pessoa sofre na sociedade. O palco hoje é um espaço de inspiração. E me sinto muito feliz de muitas vezes ser inspiração para artistas dessa geração nova, de poderem usar estes espaços para se libertarem."
Perola Negra (Fortaleza/CE)
A drag nasceu no começou dos anos 2000, mas Perola considera que como artista está mesmo há 12 anos na cena.
Nos palcos, seu estilo é top. Fora deles, mantém ocupação em áreas de cozinha e gastronomia,
"O que é ser drag queen? É uma criação de um personagem caracteristicamente cômico ou exagerado, tipicamente fazendo a arte da transformação. É uma coisa que vai além dos seus limites."
Sarah D Montserrat (Belém/PA)
Quase três décadas - ou mais exatamente 28 anos - é o tempo em que Sarah construiu seu legado nos palcos e eventos da capital paraense, o que lhe valeu a honraria de ser a primeira drag a ter condecoração e diploma de Patrimônio Cultural de Belém e a medalha Mestre Verequete.
À frente da Parada LGBT de Belém e de inúmeras outras do Estado, também militante pelo Grupo Homossexual do Pará, a drag faz estilo glamouroso, fino, remanescente das clássicas transformistas.
"Ser drag queen pra mim é a expressão mais profunda do ser humano, a arte. É onde temos diversas falas. Há diversas formas de expressão na arte de ser drag queen.
Eu, como artista, eu consigo me expressar de diversas formas - seja dramátca, seja caricata. E tudo isso é a minha forma de me expressar. São diversos estilos de drag queens, cada uma com a sua. E não é só o brilho, não é só a luz, não é só a peruca, mas é todo o universo. Nós viemos pra ficar e estamos conseguindo e ganhando espaço.
E, além de tudo, hoje, nós, como artistas populares na arte drag, somos pessoas que estamos entrando em diversos outros espaços. São conquistas que vêm acontecendo há anos, mas que se firmam hoje com as drags cantoras, as que estão na televisão, no teatro."
Sayuri Heiwa (Recife/PE)
Nutricionista por formação e artista drag há 15 anos (além de maquiadora há quatro), Sayuri também define seu estilo como camaleônico.
De boates a saunas, de bares a festivais, sua personagem transita por vários universos da capital pernambucana e de vários Estados brasileiros e já deixou sua marca .
"Ser drag queen é uma profissão que exerço com muito amor e responsabilidade. Amor de poder levar o entretenimento, da alegria à emoção. De expressar o que sinto através da arte, distribuindo sorrisos e elevando a autoestima aos que precisam.
Sendo responsável por sempre entregar o melhor, levantando a bandeira de um povo que ainda sofre com preconceitos e tabus da sociedade. Algumas pessoas confundem com questão de gênero ou até mesmo de identidade, onde a realidade é apenas artística. Drag queen, a arte de se transformar e de transformar a vida das pessoas."
Valerie O'rarah (Salvador/BA)
Apresentadora e performer, Valerie soma 16 anos de história na noite LGBT da capital baiana, uma das principais do Brasil na arte drag queen.
Coroa esta trajetória o Cármen Lounge Bar, inaugurado há poucos meses para enriquecer o cenário arco-íris da cidade. Produtora cultural e maquiadora são funções que também lhe ocupam o dia a dia.
"Ser drag queen é um estado político, é uma visão política, é um acontecimento e uma manifestação, um encontro de várias artes em um único corpo. É o estado mais próximo da comunidade, de quem gosta do movimento artístico, de suas cantoras 'divindades'.
A gente tem o poder muito grande de comandar plateias, fazer encontros e várias manifestações culturais. A gente tem um poder enorme. Os artistas LGBTQIA+ têm esse poder de promover vários encontros artísticos."
Verônica Strass (Brasília/DF)
Há nove anos nos palcos da capital federal, Verônica faz o estilo bate-cabelo e performática. Ela se define como uma fênix, "a que cai, mas sempre renasce mais forte", afirma.
"Ser drag é arte, é cultura, é luta todo dia por nosso espaço. É levar alegria e respeito por onde passamos.
Somos atores travestidos, coloridos. E com nossas cores lutamos por nosso espaço e direitos da nossa comunidade LGBTI+. Drag é arte, drag é cultura."