Carregar bandeira é forma de expressar a causa que alguém defende. A candidata a vereadora pelo PT Luíza Bittencourt tem na própria vivência suas motivações de luta.
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"Não posso ser positiva quando levanto todas as manhãs para trabalhar e não tenho a certeza que vou voltar em segurança para casa", disse a pleiteante a vaga na Câmara Municipal de Florianópolis.
Luiza tem 46 anos, é trans, diarista, mãe solo de filho de 15 anos e atualmente tem relacionamento com um homem trans. Hoje esse é seu porto seguro depois de só se entender como trans próximo aos 30 anos de idade e enfrentar a ideia de que o que sentia era doença. Feita a transição, faltou emprego.
Caso chegue a ter seu nome na lista de pessoas eleitas para o legislativo municipal, promete ser a melhor vereadora da cidade e lutar por respeito e cidadania às mulheres.
Confira entrevista que ela deu ao Guia Gay Floripa:
Como seu mandato vai contribuir para o avanço da cidadania LGBT em Floripa?
Acredito que minha candidatura já é em si uma oportunidade de exercer meu direito como cidadã de representatividade de toda nossa comunidade LGBTQI+ de Florianópolis. Mas tenho ciência que ser eleita é um caminho difícil visto que vivemos em um Estado bastante conservador, onde, por exemplo, tivemos nas últimas eleições mais de 70% dos votos para o presidente Bolsonaro e suas ideologias, e em Florianópolis não foi diferente.
Outro dado significativo é que na história política de Florianópolis tivemos apenas seis mulheres eleitas vereadoras titulares, então a luta não é fácil, mas sempre digo que, para nós, ela sempre fez parte do nosso dia-a-dia e isso apenas me motiva ainda mais a buscar esse espaço que para mim será a oportunidade de lutar por políticas públicas que realmente façam diferença na vida de todas as pessoas da nossa cidade.
Fora a questão LGBT, quais são suas três principais propostas para a população?
Precisaremos pensar em projetos que não onerem mais ainda as contas públicas. Nesse sentido também o trabalho de fiscalização das contas será muito importante e será uma das minhas atribuições como vereadora. Mas será preciso pensar em alternativas, por exemplo as que incentivem o apoio e parceria do setor privado.
Pretendo criar cooperativas para mulheres autônomas e microempreendedoras, um espaço para que possam divulgar seus trabalhos, oferecerem cursos, aprenderem novas atividades, ampliando e captando novos clientes, criando assim uma oportunidade de melhoria na sua renda.
Trabalhar pela ampliação da escola em tempo integral.
Mas uma das minhas principais propostas será a de criar uma rede ampla de atendimento e acolhimento às mulheres vítimas de violência. Esse é um problema grave que precisa ser enfrentado.
Apesar das delegacias especializadas, as mulheres vítimas de violência ainda estão desamparadas. Pessoalmente já sofri violência doméstica num relacionamento e sei que ainda não há "disposição" do Poder Público em atender adequadamente esses casos pelo fato de termos o machismo "arraigado" na sociedade.
Quem votar em você vai ajudar a eleger pesssoas do PT. Qual o compromisso do partido com a cidadania LGBT?
O PT é um dos partidos que realmente incluem e apoiam as candidaturas LGBT.
Nas eleições desse ano, segundo a Aliança Nacional LGBTI, teremos um recorde de candidaturas LGBTs no país, cerca de 411 candidatos, e desses, a maioria são representantes de partidos de esquerda, tal como o PT, o que demonstra o compromisso que esses partidos têm com a inclusão e representatividade LGBTQI+.
Que importância você atribui ao fato de uma diarista chegar a uma instância do poder político da cidade?
Acredito que minha candidatura já é importante no sentido de cidadania e representatividade. Mas entendo que ser eleita vereadora seria algo muito marcante e significativo para a nossa cidade, pelo fato de eu não ser da política e sim uma cidadã de Florianópolis, diarista autônona, mulher trans de 46 anos, feminista e mãe solo.
Seria importante para que a pessoas pudessem também refletir sobre algo muito amplo que é a questão do preconceito. E nesse sentido, se eleita for, quero trabalhar para ser a melhor vereadora de Florianópolis e representar todas as pessoas.
Ao você descrever a vivência LGBT em Floripa em um post recente, você falou apenas de aspectos negativos a respeito de direitos, mas não registrou questões positivas tais como os fatos de haver lei contra discriminação estadual, nome social regulamentado, um dos poucos conselhos lgbt municipais do Brasil... Não acha que a retórica negativa pode fragilizar ainda mais quem já é vulnerável ao não mostrar a essas pessoas que há instrumentos de defesa da cidadania?
Não considero os direitos por nós conquistados negativos, muito pelo contrário, foram conquistados através da luta de muitas de nós, mas também posso dizer que com 46 anos tenho a vivência da nossa realidade, da "vida como ela é", e sei que na prática, no nosso dia-a-dia as coisas continuam muito difíceis.
Desinformação, preconceito, discriminação, falta de oportunidades no mercado de trabalho, violência e por aí vai. Tudo que nós já sabemos. Essas coisas estão "entranhadas" na sociedade, mas sempre digo que o que "eles" não se conformam é que apesar de tudo isso ainda estamos aqui lutando e resistindo sempre.
Não posso ser positiva quando levanto todas as manhãs para trabalhar e não tenho a certeza que vou voltar em segurança para casa. E essa é a sensação de todas nós. Por outro lado é inegável que nas últimas décadas tivemos avanços em políticas públicas e conquistas importantes, mas a luta não pode parar.
Nossa luta não é por privilégios como muitos pensam, mas, sim, pelo simples direito de podermos ser quem somos, sermos respeitados por isso, ter nossa cidadania reconhecida mas principalmente pelo direito à dignidade e à vida.
Devemos comemorar a conquista de hoje, mas amanhã a luta precisa continuar. E meus posts e comentários são sempre nesse sentido.
AVISO: Esta entrevista faz parte de projeto do Guia Gay Floripa de entrevistar todas candidaturas LGBT à Câmara Municipal de Florianópolis.
Todas as candidaturas recebem três perguntas iguais e duas específicas, que podem coincidir ou não, a depender dos partidos e dos perfis das pessoas pleiteantes.