Nohs Somos e a vilanização de gays: hora de dar um basta!

É preciso dar fim a postura existente dentro da comunidade LGBT de achar-se no direito de atacar homens homossexuais

Publicado em 26/03/2023
nohs_somos_vilanização_gays_direitos_humanos
Caso de consultoria em direitos humanos LGBT mostra como funciona a vilanização de gays

Artigo de Welton Trindade

Gays, há muito, convivem com dedos apontados. Falanges inquisidoras vieram e ainda vêm da igreja, da família, da escola... Com elas, o "Você não tem valor!", "O que você é é errado!", "O que você sente é algo que deve ser mudado", "Você tentou realmente mudar? Vamos agora! Você precisa se consertar!". 

Estar em 2023 é ver alguns desses dedos indicadores baixarem um pouco, que bom! Com muita luta, tem-se conseguido fazer com que a homofobia se esvaia. Mas... Mas... O que é aquilo? Um novo dono da moral? Um recém-contratado avalizador de todos os desejos e amores? Um ser que tomará o posto no guichê de permissões para gays viverem conforme ousam pensar que podem viver? 

Sim! É um novo dedo apontado! Mas.. Mas... Ele é arco-íris, tem glitter e se coloca como grande defensor da diversidade, amor, liberdade e tudo o que está, esteve e estará na biblioteca da ONU! Como assim?!

Estranho, contraditório, perverso, desumano, mas o fato é esse: a própria comunidade LGBT agora se presta a esse papel! 

nohs somos
Nas datas de outros segmentos: orientação e didatismo. Para gays, não é assim! 

Trata-se do que se pode chamar de vilanização de gays! Atribuição direta ou dissimulada aos homens homossexuais de características negativas tratadas como intrínsecas à homossexualidade masculina ou mais incidente dentro do segmento ou ainda a deslegitimação e ataque aos desejos, sentimentos, trajetória histórica e modo de vida gays. 

Quem são os sujeitos desse processo? Uma legião! Vai do pastor evangélico, passa por outras letras do Vale e chega até ao próprio gay, se eivado de homofobia internalizada, já carcomido por ideologias que o fazem sentir culpa e vergonha por ser homem, e devidamente vendado, sem conseguir enxergar a importância de homossexuais masculinos na luta LGBT e na história geral e incapaz de reconhecer o quanto ainda precisa atuar em prol da liberdade e cidadania própria e de outros como ele. 

Tal vilanização não é fenômeno recente. Exemplo é o absurdo de a frase "Homofobia é inevitável" ter virado meme. Banalização pouco é bobagem! Você vislumbra um meme "Racismo é inevitável" como motivo de riso? Pois é! Paralelismos são didáticos!

Ok, não é novo, mas tem ganho escala. Amostra ocorreu neste 25 de março. A autodenominada startup tech social LGBTI+ Nohs Somos fez post para comemorar a fake date (sim, uma data comemorativa falsa) do Dia Nacional do Orgulho Gay (a data reconhecida é o 28 de fevereiro).

Antes disso, vamos ver o que mesma empresa - que inclusive dá consultoria em diversidade e respeito a empresas (!!) - falou em outras datas. 

No 29 de agosto de 2022, a companhia lembrou o Dia da Visibilidade Lésbica com debate sobre o significado transgressor da palavra sapatão. O Dia da Visibilidade Bissexual (23 de setembro) mereceu vídeo para ensinar a como rebater comentários discriminatórios contra o segmento. Já para o 29 de janeiro (Dia da Visibilidade Trans), houve explicação de termos que mostram a quão plural é essa identidade. 

Normal em um dia comemorativo de um segmento vulnerável empoderá-lo? Depende! Se a data for para gays... Ah, gays.... Para esses, a coisa muda! E muito! 

Para gays, a consultoria que "tem o objetivo de promover o bem-estar do público LGBTI+" (!!) já começa com a qualificação de "privilegiados". Sim, poder ser até morto por dar um beijo na rua é privilégio! Ter quase metade da população brasileira contra o casamento homo é tipo algo como ostentar um cartão VIP para salas com sofás-conceito de aeroporto! Pri-vi-lé-gio! 

Como lidar com a ideia que acessar a cidadania próxima da plena virou privilégio e deixou de ser direito humano? 

nohs somos
Convite para repensar é só direcionado a gays. Eis estratégia de vilanização de homens homossexuais

E a empresa continua: ela propõe que gays repensem gordofobia, racismo, genitalismo, heteronormatividade...

Se você sugere (com carinho, viu?) que uma pessoa pense tudo isso, o que está entendido? Que essa pessoa faz tudo isso! Que pessoa? Para a consultoria, só os homossexuais! 

Aqui o detector de vilanização de gays apita em nível máximo. Quatro datas, quatro segmentos... Mas qual é o único segmento é instado a se questionar sobre pontos que incluem até cometimento de crime? Ah, claro, gays! E só eles! E na "data" deles! 

Depreende-se: travesti nenhuma não tem tesão por gordo, nenhuma lésbica jamais será racista, um bissexual, imagine, ser genitalista! Mas gays, ah, todos um poço de tudo do que não presta! Malafaia e a militância do Twitter se beijam de língua! 

E até os termos são "autociladas" dentro dos esquemas argumentados pela lacração sobre gênero e sexualidade. Como um movimento pode apontar o dedo para uma suposta heteronormatividade (termo furado) de gays se dentro dele mesmo há pessoas héteros (travestis e transexuais, por exemplo)? O hétero de um é mais válido do que o do outro? E o que é ser heteronormativo? Seria usar barba? (Sim, a podridão intelectual chegou a esse nível!). 

Genitalismo... Outro conceito que cai com um peteleco! Se um gay apenas tivesse como objeto de desejo o pênis:

1) Qual o problema? Não é pela liberdade de desejo que se lutou e se luta afinal? Ou foi para trocar a fiscalização e normatização da igreja pela de hermanitos de dentro da própria comunidade? A liberdade de desejo te incomoda? Isso fala mais de você do que se imagina, viu?  

2) Genitalista só pode ser uma pessoa que transa, no caso, com qualquer ser humano com pênis, inclusive os de identidade feminina. É o caso dos gays? Que genitalismo é esse que não inclui todos os seres com glande? Pensar dói, mas é necessário! 

3) Esse termo é usado contra pessoas trans dentro da "acusação" de que seria genitalista quem luta para mudar o aparelho genital. A comunidade LGBT precisa realmente descer tanto e empregar expressões utilizadas até por quem se coloca contrário aos direitos dela? 

E o que mais vem do texto? A idealização de que não existem gays negros, gordos, até periféricos! Por volta da metade da população brasileira tem identidade negra. Não é absurdo pensar que tal quantitativo também seja a realidade dentre gays. Portanto, o que o post faz é "dar diquinha fofa" para que gays negros repensem o racismo que sentem. Tem lógica para você? 

Uma ajuda: a sanha de atacar gays tem um avatar, um boneco de vudu. Trata-se do gay branco, cisgênero e com plano Black da Smart Fit. A vontade de invalidar esse segmento - isso dentro de um movimento de direitos humanos, viu? Tutti buena gente! - faz com que inclusive gays negros, pobres, sem instrução ou assinantes do plano Smart da Smart Fit também sejam vítimas já que o ataque é aos gays, todos! 

As letras da sigla não tem fim. Os erros cometidos pela postagem também não! Repensar desejo sexual... Oras, isso não é novo para gays! A igreja e o Estado fazem essa "proposta" para homossexuais há séculos! Tinha até nomezinho: cura gay! E ainda: será mesmo que a lacração vai aceitar o resultado do "repensar" se a pessoa continuar a não ter tesão por x ou y depois da tal reflexão? A resposta é jamais! 

Pois é, a vilanização de homens homossexuais é um fetiche identitário que cega seus hospedeiros. E quem dá like neles! 

E antes do fim, algo fundamental: não pode ser posta a carta do "Foi só um pedido para repensar, nada compulsório, nada persecutório". Se assim fosse, porque a diferença tamanha entre a forma de comemorar as datas? Por que o mesmo convite tããããoooo humano e quentinho não é feito para as outras letrinhas? E que tal propor repensamentos também a outras classes identitárias? Pegaria mal, né? Mas com gay, tudo pode! 

Quer saber? Com gay, tudo podia! É hora de se levantar! 

 

Você já ouviu os lançamentos de artistas LGBT ou com foco na comunidade? Siga nossa playlist Rainbow Hits no Spotify que é atualizada constantemente com as melhores do ano do pop, eletrônico e MPB de várias partes do mundo.

 


Parceiros:Lisbon Gay Circuit Porto Gay Circuit
© Todos direitos reservados à Guiya Editora. Vedada a reprodução e/ou publicação parcial ou integral do conteúdo de qualquer área do site sem autorização.