Por Marcio Claesen
Um dos grupos mais gays e originais da música pop, Locomia tem sua história contada em Disco, Ibiza, Locomía, filme que estreou este mês na Netflix.
Muitos dos elementos que envolvem o projeto são incomuns: originários da Espanha (em vez da Inglaterra ou Estados Unidos), composto por quatro homens e uma mulher relegada ao plano de fundo, com foco no público feminino, mas exalando pinta com o abrir e fechar de leques, quem diria que esta receita seria um sucesso?
A trajetória do grupo é contada de forma linear com grandes flash backs enquanto no presente os ex-integrantes enfrentam na Justiça seu outrora empresário, José Luis Gil (o argentino Alberto Ammann, de Narcos).
Preguiçosa, a narrativa vai e volta para a mesma sala de conciliação num looping torturante. É surpreendente e lastimável que uma produção sobre uma banda tão extravagante seja previsível e burocrática.
Concebido na ilha espanhola de Ibiza, em 1984, Locomia era uma reunião de amigos que se juntavam para criar figurinos, ensaiar coreografias e se apresentar numa das boates mais quentes da década, a Ku.
Entre um alinhavado aqui e uma dança acolá, eles se drogavam e transavam entre si. A maioria era de homens, mas também havia mulheres. O hedonismo era a força motriz desse grande grupo que chegou a reunir 16 integrantes gays e bissexuais que almejavam o sucesso, mas também desfrutavam de seu cotidiano enquanto o estrelato não vinha se apresentando para grandes nomes como Freddie Mercury (1946-1991).
Em uma performance na Ku em 1988, o grupo chama atenção de Gil que pretende lançá-lo como uma boy band inovadora. Locomia vê a chance de se profissionalizar e tudo muda. Apenas quatro homens e uma mulhar são escolhidos, aulas de canto e dança são contratadas e turnês são fechadas.
Líder do quinteto, Xavi Font (Jaime Lorente, de La Casa de Papel) é a força-motriz. Foram dele as ideias iniciais do projeto e era ele quem conduzia todas as situações. Seu namorado, Manuel Arjona (Iván Pellicer), e sua melhor amiga, Lurdes Iribar (Blanca Suárez), integravam o grupo.
Não é esmiuçado o desconforto de Xavi no Locomia (eles precisavam esconder sua sexualidade) e é por sua causa, um pouco mais adiante, que o grupo tentará dar um passo maior do que poderia e se envolve no imbróglio judicial.
Lorente conduz o personagem no piloto automático. Falta-lhe garra e as poucas nuances que o roteiro de Marta-Libertad Castillo e Kike Maíllo (este, também diretor) lhe dão, só comprometem ainda mais o seu papel.
No Brasil, Locomia não foi nem de perto a febre que se tornou em quase toda a América Latina. Tiveram um hit nas FMs (Loco Mía, na primavera de 1990) e apresentaram-se em programas de TV, como Xou da Xuxa, mas em nações como Argentina, México e Peru, eles conquistaram patamar quase no nível do Menudo. Lotaram estádios, garotas se atiravam em frente aos seus carros, tornaram-se assunto nacional.
De qualquer forma, independente do tamanho que o grupo se tornou seja em que país for, Locomia foi um caso de sucesso que merecia um filme ousado assim como eles foram.
Em vez disso, a Netflix trocou toda a sua singularidade por uma embalagem careta e insossa que serve para saber quem eles foram, mas não para resgatar a essência do que representaram.
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