Por Marcio Claesen
Os exuberantes cenários dos bailes e paisagens dinamarqueses dos anos 1920 e parisienses dos anos 1930 emolduram uma história de amor e dor que é o cerne de A Garota Dinamarquesa, que chegou aos cinemas nesta quinta-feira 11.
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Como em um conto de fadas às avessas, o casal de protagonistas do longa de Tom Hooper logo nos primeiros minutos se apaixona e se casa, mas o "felizes para sempre" não lhe cabe aqui.
Einar (Eddie Redmayne) e Gerda (Alicia Vikander) são pintores - ele mais bem-sucedido que ela - têm ótimos convívio e sintonia sexual, mas as coisas ganham outra direção após a mulher pedir para o marido posar com uma meia-calça e uma sapatilha para terminar um quadro, já que a modelo, sua amiga, se atrasou.
Na pose para o retrato, Einar tem seu lado feminino despertado e a partir daí passa a desenvolver uma atração pelas peças femininas, chegando a vesti-las enquanto transa com a esposa. Seria mais um caso de cross-dresser (comum tanto em héteros quanto gays), mas o pintor não se satisfaz com isso.
Ele passa a incorporar" Lili Elbe - então, sua persona feminina - constantemente e a sair com rapazes, até Gerda, que o incentivava a tudo até ali, pedir para que acabe com o "jogo". Não é um jogo, diz Elbe, que, neste ponto, já tomou para si a identidade feminina.
Uma das maiores falhas do filme surge quando se embaralha a identidade de gênero e a orientação sexual de Einar/Lili. No longa, é como se toda a vida pregressa heterossexual do personagem não valesse mais nada quando se assume mulher. Críticos apontam que o roteiro de Lucinda Coxon baseado no romance de David Ebershoff omitiu envolvimentos gays e relacionamentos lésbicos, de Einar e Gerda, respectivamente, antes de se casarem.
O diretor talvez tenha tentado resumir tudo isso na entrada do personagem Hans (o lindíssimo Matthias Schoenaerts), que Gerda procura para tentar ajudá-la a lidar com o/a marido/esposa. Mas o envolvimento que o bonitão e Einar tiveram foi pueril, um beijo trocado na infância, que não torna ninguém gay.
O fato é que neste ponto da história Lili está obcecada em fazer a cirurgia de redesignação sexual após encontrar um médico disposto ao experimento. Muitos consideram Lili como a primeira no mundo a ser submetida a uma operação deste tipo.
Redmayne, indicado a todos os prêmios importantes da temporada, ora acerta e ora exagera em códigos considerados femininos, como olhares baixos e de soslaio, para compor a personagem. Vikander, indicada ao Oscar - e provalmente a vencedora - como atriz coadjuvante, ainda que seja a protagonista, entrega uma personagem admirável, daquelas à frente de seu tempo que conquistam nas telonas, sem necessitar de caras e bocas.
O diretor, conhecido por seus cenários suntuosos - são dele O Discurso do Rei e Os Miseráveis - mantém aqui o nível de excelência, assim como nos figurinos, maquiagem e fotografia, mas peca por priorizar o belo ao verdadeiro. Não são poucas as passagens em que cenas difíceis - como a cirurgia - chamam mais atenção pela composição da cena do que pela intensidade e inclemência da situação.
Ainda que some vários defeitos, A Garota Dinamarquesa é essencial por tratar de alguém pioneiro que ao lutar por ter direito de ser quem realmente é ajudou a transformar a realidade de milhares que vieram depois.
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